Real e Ilusão

Sérgio Biagi Gregório

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é analisar o grau de tolerância (ilusão) frente às verdades que a realidade nos mostra. Para tanto, conceituaremos os termos real e ilusão, faremos um pequeno histórico da filosofia do real, analisaremos a duplicidade do real, discutiremos o problema da percepção e verificaremos a possibilidade de cura da ilusão.

2. CONCEITO

2.1. REAL

W. Brugger, em seu Dicionário de Filosofia, diz-nos que na hodierna terminologia filosófica, o termo "real" designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente possível. Existe em si independentemente de nossa representação e de nosso pensamento.

Para Legrand, também em seu Dicionário de Filosofia, a realidade opõe-se ao imaginário e ao ilusório, mas sem estes não a concebemos. A própria alucinação é uma realidade para o alucinado (e uma outra realidade para aquele que o ouve e trata-o).

2.2. ILUSÃO

2.2.1 ETIMOLOGIA

Derivando do latim illudere (ludere, "jogar" + in, "sobre"): enganar, troçar, escarnecer. Usa-se geralmente o termo "ilusão" para significar um erro ou engano dos sentidos e do juízo.

2.2.2. NATUREZA DA ILUSÃO

percepção errônea ou equivocada, devido à má interpretação dos dados dos sentidos ou dos elementos de uma experiência vital. O erro não está no dado sensível, mas no que se lhe junta.

2.2.3. ESPÉCIES DE ILUSÃO

2.2.3.1. ILUSÕES NORMAIS — as que se produzem sempre nas condições normais de percepção, por nascerem das características do mecanismo sensível, e de acordo com as leis físicas e orgânicas.

Estão no caso das ilusões normais:

1) ilusões visuais

- ilusões de movimento — um objeto imóvel parece mover-se. É o caso das árvores vistas pela janela de um comboio em andamento;

- ilusões de leitura — pau reto que parece quebrado quando dentro da água.

2) ilusões auditivas — caso sobretudo do eco.

3) ilusões tácteis — ilusão dos amputados.

2.2.3.2. ILUSÕES ANORMAIS — as resultantes de deficiências acidentais, congênitas ou adquiridas.

Podem ser:

- fisiológicas: acromatopsia, discromatopsia, daltonismo, lesões orgânicas periféricas ou centrais etc.

- psicológicas: falta de atenção ao objeto, atenção expectante etc. (ver Logos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia)

3. HISTÓRICO

O realismo — estado do res (coisa) — começou certamente na Grécia; e começou com o discernimento entre as coisas. O primeiro esforço filosófico do homem foi feito pelos gregos e começou sendo um esforço para discernir entre aquilo que tem uma existência meramente aparente e aquilo que tem uma existência real, uma existência em si, uma existência primordial, irredutível a outra.

A busca da coisa em si, denominavam da busca do "princípio".

Tales de Mileto — água;

Anaxímenes — ar;

Empédocles — água, terra, ar, fogo;

Pitágoras — número;

Heráclito — fluir da realidade;

Platão — mito da caverna

Para Platão, a maioria dos seres humanos se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro contempla na parede do fundo as projeções dos seres que compõe a realidade. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê, as sombras do real, como se fosse a verdadeira realidade.

Segundo Platão, somente os filósofos — eternos buscadores da verdade — é que teriam condições de libertar-se da ilusão do mundo sensível e atingir a plena sabedoria da realidade.

Aristóteles — discorda do mundo das idéias de Platão, mas tem dificuldade de explicar o sensível

Para Descartes o objeto do conhecimento humano é somente a idéia.

Desse ponto de vista torna-se imediatamente duvidosa a existência daquela realidade à qual a idéia parece fazer alusão mas não prova, assim como uma pintura não prova a realidade da coisa representada.

Há outros nomes que poderíamos arrolar. Para o nosso propósito é suficiente, pois queremos discutir o termo em si e não fazer uma biografia histórica do assunto. (Garcia Morente, 1970, Lição V a VII)

4. DUPLICIDADE DO REAL: A ILUSÃO

4.1. TOLERÂNCIA

Clément Rosset em seu livro O Real e seu duplo retrata a ilusão de uma forma bastante ilustrativa. Seu ponto de partida é a tolerância. Diz-nos que aceitamos o real, mas quando o nível de tolerância é suspenso, já não o queremos mais ver. Daí partirmos para uma recusa do real.

4.2. RECUSA DO REAL

Pode ser de dois tipos:

a) radical:

é o caso daqueles que cometem o suicídio. Vejo o real mas não tenho forças de enfrentá-lo. Dar cabo à vida seria mais fácil.

Posso também suprimir o real com menos inconvenientes, salvando a minha vida ao preço de uma ruína mental: fórmula da loucura, muita segura também, mas que não está ao alcance de qualquer um: "Não é louco quem quer". (Rosset, 1998, p.12 e 13)

b) flexível:

vejo, admito, mas mudo-o para a minha conveniência. Pode-se dizer que a percepção do iludido é como que cindida em dois: o aspecto teórico (que designa justamente "aquilo que se vê", de theorein) emancipa-se artificialmente do aspecto prático ("aquilo que se faz")

A peça Boubouroche (1893) de Georges Courteline é um exemplo dessa ilusão. Boubouroche instalou a sua amante, Adèle, em um pequeno apartamento. Um vizinho de andar de Adèle previne caridosamente da traição quotidiana de que é vítima este último: Adèle partilha o seu apartamento com um jovem namorado que se esconde num armário toda vez que Boubouroche visita sua amante. Louco de raiva Boubouroche irrompe numa hora inabitual e descobre o amante no armário. Cólera de Boubouroche, à qual Adèle responde com um silêncio desgostoso e indignado: "Você é tão vulgar", declara ao seu protetor, "que não merece nem a mais simples explicação que logo teria dado a outro, se ele tivesse sido menos grosseiro. É melhor nos separarmos". Boubouroche admite os seus erros e perdoa Adèle. Moral da história: Boubouroche, mesmo desfrutando de uma visão correta dos acontecimentos, mesmo tendo surpreendido o seu rival no esconderijo, continua a acreditar na inocência da sua amante. (Rosset, 1998, p. 14 a 21)

5. PERCEPÇÃO

5.1. NOÇÃO

Etimologia: do lat. perceptio, ação de recolher, colheita.

A. Filosofia: em Leibniz, representação do múltiplo na unidade.

B. Psicologia: função pela qual o espírito organiza suas sensações e forma uma representação dos objetos externos.

5.2. ONDAS E PERCEPÇÕES

O espectro eletromagnético varia em extensão de ondas de 10-14 a 108 metros, mas os receptores sensíveis à luz nos olhos são percebidos numa faixa de 1/70 do espectro; os ouvidos captam entre 20 a 20.000 vibrações por segundo.

Quantas realidades não existem além das fronteiras de nossa consciência? (Xavier, 1977, cap. I)

5.3. PERCEPÇÃO SENSORIAL E PERCEPÇÃO EXTRA-SENSORIAL

Há o mundo sensível e o extra-sensível. Onde está a realidade? A mediunidade é a faculdade humana que capacita o homem a entrar em contato com o mundo extra sensorial.

Além da matéria não há uma realidade espiritual? Qual é a verdadeira?

5.4. MONOIDEÍSMO

Idéias fixas fazem-nos fugir do "real". Ficamos dentro de uma redoma.

Pensamos que estamos de posse da verdade, mas na maioria das vezes somos envolvidos pelos Espíritos menos felizes.

5.5. A IMAGINAÇÃO É FÉRTIL

Emitindo uma idéia, passamos a refletir as que se lhe assemelham. É possível que estejamos criando imagens mentais que não existem na realidade.

5.6. EMISSÃO E RECEPÇÃO

Nossa mente é emissora e receptora de imagens. Se não cuidarmos da fonte geradora, poderemos irradiar "criações mentais" que nada têm a ver com a verdadeira realidade espiritual.

6. CURA DA ILUSÃO

6.1. ENFRENTAR A REALIDADE (O PROBLEMA)

Geralmente partimos para fuga, para o não querer se preocupar, fazer vistas grossas. Se nos assoma uma tristeza pela morte de um familiar, vamos buscar a compensação nos entretenimentos, nas companhias, na bebida etc., esquecendo-nos de que cultivar a tristeza é o melhor antídoto contra a sua depressão.

6.2. TENHAMOS OLHOS PARA VER E OUVIDOS PARA OUVIR

Se acostumarmo-nos a olhar tudo sem defesas, sem desculpas talvez pudéssemos melhor captar a realidade que está à nossa volta.

6.3. AUTO-ACEITAÇÃO

Se nos contam um problema difícil, temos mil conselhos para dar. Mas quando o problema é nosso, não aplicamos o dito conselho a nós mesmos.

6.4. AUXÍLIO ESPIRITUAL

Todos nós, independentemente de pertencermos ou não a um Centro Espírita, podemos solicitar a ajuda dos amigos espirituais e eles poderão nos auxiliar. Por que não pedirmos para tirar a trave do nosso olho a fim de melhor enxergar a realidade que nos envolve?

7. CONCLUSÃO

O discurso humano, que se expressa pela linguagem, é extremamente ambíguo. Muitas vezes mentimos com os lábios, mas os nossos gestos revelam a verdade. Esperamos que essa pequena incursão sobre a ilusão possa alertar-nos quanto aos erros de interpretação da realidade.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BRUGGER, W. Dicionário de Filosofia. 3. ed., São Paulo, EPU, 1977.
GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970.
LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Lisboa, Edições 70, 1982.
LOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Rio de Janeiro, Verbo, 1990.
ROSSET, C. O Real e Seu Duplo - Ensaio sobre a Ilusão. Porto Alegre, L&PM, 1998.
XAVIER, F. C. Mecanismos da Mediunidade, pelo Espírito André Luiz. 8. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.

São Paulo, janeiro de 1999

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