Por que Esquecer

Marcelo Stanczyk  

1) A impossibilidade da consciência de todos os fatos

A consciência humana, capaz de direcionar os atos da vida cotidiana (seja física, seja espiritual), utiliza-se de informações obtidas em acontecimentos e fenômenos pretéritos e do processamento de idéias através do uso do raciocínio, para direcionar-se... para decidir... para viver.

Acontece que nem todos os acontecimentos do passado, mesmo que armazenados, ficam a disposição da consciência. Parte deles fica armazenado na inconsciência, à disposição da consciência de vigília, que deles se utilizará sempre que for necessário.

Esse fenômeno de armazenamento de informações e acontecimentos chama-se memória. E do que até agora foi dito, podemos dizer que o homem possui duas espécies de memória:

a)  a memória de vigília, de onde a consciência humana retira as principais informações armazenadas e que permite um acesso rápido;

b)  a memória inconsciente, que é aquela que de fato guarda as informações e acontecimentos, mas que para ser acessada pela consciência exige determinado esforço.

Esse mecanismo de armazenamento da memória existe porque é impossível ao homem viver consciente de todos os fatos e de todas as informações de que tenha tomado conhecimento durante a sua vida. Imagine-se uma pessoa com 40 anos, que tivesse tomado conhecimento de uma informação a cada hora durante a sua vida. Teria esse homem acumulado mais de 350.000 informações. É uma quantidade absurda de informação

Será que o homem seria capaz de conseguir guardar dentro de sua memória consciente todos esses fatos? Como poderia então viver perfeitamente relembrando momentos difíceis e angustiantes?

B) Quando o homem quer esquecer

Um dos recursos psicológicos mais comuns utilizado pelas pessoas, é querer ignorar eventos e acontecimentos doloridos. Não somos projetados para sentirmos dor, servindo ela apenas como um alerta. Essas dores são conteúdos emocionais, muitas vezes, que o homem coloca sob o “tapete de sua própria vida”, porque não tem o interesse de rememorar.

A verdade é que nos enganamos.

Com esse mecanismo acreditamos que não sentimos dor. Com esse mecanismo acreditamos que estamos livre do acontecimento, sendo que na verdade não estamos. Ele fica guardado no recôndido de nossa inconsciência.

Alguns desses acontecimentos quando não assimilados de forma adequada, ao serem energicamente trancafiados na inconsciência acabam gerando traumas. Traumas que interferem (inconscientemente) em nossa forma de ser e de agir.

Quantas vezes tomamos decisões e até cometemos atos que desconhecemos que sejam nossos ¾ e muitos espíritas ainda ignorantes do profundo do conhecimento da doutrina acabam atribuindo culpa a espíritos desencarnados, chamando de acesso de obsessão a qualquer tipo de conduta diferente que a pessoa cometa.

Ora, assim como há o fenômeno da obsessão, há também o fenômeno da auto-obsessão. Traumas como os que acima descrevemos, onde o homem interioriza processos psico-emocionais mal resolvidos, podem ser agente ativo para o surgimento desse fenômeno de auto obsessão.

Tais traumas quando vão levados para a espiritualidade pelo desencarne da pessoa sem serem resolvidos, acabam sendo o núcleo gerador as tendências para as próximas vidas.

c) Esquecemos para progredir

Mas o esquecimento não acontece apenas para atrapalhar o homem. A grande maioria das vezes serve para o homem progredir.

Jesus, em seu tempo, procurava ensinar às pessoas que o ideal não era acumular sofrimento e dor na forma de ódio, o mais interessante seria perdoar e esquecer as desventuras pelos quais passamos.

A verdade é que Jesus foi sábio ao aconselhar o esquecimento. Quando ficamos fixados a uma idéia, na grande maioria das vezes, relegamos a segundo, terceiro e quarto planos outros assuntos importantes.

Ao fixarmo-nos em sofrimentos e dor, ou na decepção de termos praticado atos desconformes com a Lei Divina, acabamos perdendo o controle de nossa vida, deixando aspectos importantes de lado.

Na medida que vamos tomando consciência do que é correto se fazer durante a vida, e percebemos que estamos falhando ante a necessidade da retidão – até porque conhecer algo ou reconhecer uma conduta mais adequada não significa que estamos pautando as nossas atitudes e a nossa vida por tais verdades – acabamos ficando decepcionados. Essa decepção gera sofrimento e humilhação.

No plano espiritual, antes de reencarnarmos, percebemos equivocos nossos e falhas que nos propomos a corrigir. Num primeiro momento o esquecimento do passado, neste caso, poderia até parecer contrário aos objetivos de progresso, entretanto, como a maioria das mazelas que nos incomodam são morais, conhecê-las diretamente poderia ao invés de auxiliar, piorar.

Ao retornar ao mundo físico, com a reencarnação, se lembrássemos de nosso passado, poderíamos nos apegar profundamente a ele, repetindo antigas desventuras. Ao mesmo tempo livres de possibilidades de orgulho e vaidades que as convenções terrestres tendem a atribuir às pessoas, a tendência ao sucesso seriam maiores.

Principalmente a humanidade terrestre ainda é muito apegada a paixões da matéria e a tendências menos edificantes, o que por já ser uma tendência natural ao plano evolutivo em que se encontram, servem como barreira a dificultar ainda mais a ascensão espiritual.

Mas essa característica não se apresenta insuperável. A verdade é que exige esforço ao homem. Esforço que os Espíritos mencionam como necessário nada mais é que a comprovação da intenção de vencer e realmente a demonstração de se opor ao mal.

Ao homem é dado a inteligência, ferramenta perfeita às consecuções dos objetivos, e as tendências, que seriam conteúdos adormecidos da memória pregressa. Conhecer-se as tendências, combater as más e incentivar as boas é a forma a se conseguir a vitória.

Mas o esquecimento do passado vai sendo cada vez menor com a evolução do espírito. É que a medida que nós evoluímos, a tendência é termos mais facilidade para convivermos com conteúdos menos agradáveis do nosso passado.

d) Esquecer para não doer...

Utilizou-se, então, a divindade da experiência do esquecimento como forma de permitir ao ser um aprimoramento mais sincero mais autêntico. Até porque o espírito  freqüentemente renasce no mesmo ambiente em que viveu e convive com as mesmas pessoas com quem ele anteriormente passou outras encarnações a fim de reparar o mal que houvera causado. Se eventualmente reconhecesse nas pessoas os verdugos ou as suas vítimas do passado, claro que fatalmente sua intenção de progredir, reparando os danos seria fadada ao fracasso.

São Paulo, fevereiro de 2005

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