Tales Henrique da Silva Waisberg
Adeptos de muitas religiões, desde um passado longínquo, valem-se de
objetos destinados a reforçar a fé que professam e servir-lhes de meio de
ligação com Deus ou os seres que, dentro da crença que possuem, são os
representantes maiores da Bondade Divina junto aos homens. Estátuas,
talismãs, colares e correntes, medalhas, "santinhos", roupas especiais e
outros objetos de culto são utilizados largamente por fiéis, dentro e fora
de templos religiosos, com vistas a promover um contato mais estreito com o
"Alto" (como costumamos chamar os Espíritos de elevada hierarquia ou
os planos superiores que estes habitam). A Doutrina Espírita mostra-nos que
não é necessário o uso de elementos exteriores para o cultivo da
espiritualidade e da elevação do pensamento, ao nos trazer o conhecimento
das leis mentais e de como estas funcionam. Justamente por compreender a
finalidade a que esses objetos se destinam (desde que a serviço do
sentimento sincero de devoção e do desejo de vínculo com as forças do bem),
devemos respeitar tais comportamentos em irmãos que pertencem a outras
escolas religiosas. Ao mesmo tempo, esclarecidos pelos ensinamentos da
Codificação Kardequiana e obras complementares, cabe-nos desenvolver a
disciplina mental e a capacidade de realizar esse vínculo com as esferas
mais elevadas sem recorrer a "interfaces" materiais, e de forma cada vez
mais natural e permanente.
É comum, depois de nos tornarmos espíritas, menosprezarmos ou
ridicularizarmos (mesmo que apenas em pensamento) o uso de objetos de culto
pelos adeptos de outras religiões. Por compreender que é possível direcionar
a mente para a Espiritualidade Maior sem nenhum auxílio externo, por vezes
taxamos aqueles que utilizam tais objetos de pessoas ignorantes ou de
religiosidade inferior à nossa. De fato, o uso de "penduricalhos místicos" é
uma conseqüência da pouca evolução espiritual da humanidade terrena, que
ainda, em sua maioria, depende de recursos físicos para expressar o
sentimento religioso, que é inato ou inerente à alma. Livrar-se desse tipo
de intermediação é passo importante no processo de despertar, libertação e
ampliação da consciência (assim como o aprimoramento da concepção que
fazemos de Deus, da vida e seu sentido mais profundo, das Leis Divinas, seu
propósito e seus mecanismos, dentre outros pontos). Entretanto, não devemos
desprezar ou diminuir o esforço feito pelos que recorrem a objetos de culto
(desde que o façam com finalidade nobre e construtiva), nem subestimar o
papel que esses elementos desempenham ou a sua utilidade para estas pessoas,
como explica André Luiz, na seguinte passagem da obra "Mecanismos da
Mediunidade":
"Em toda a parte, desde os amuletos das tribos mergulhadas em profunda
ignorância até os cânticos sublimados dos santuários religiosos dos tempos
modernos, vemos o reflexo condicionado, facilitando a exteriorização de
recursos da mente, para o intercâmbio com o plano espiritual.
Talismãs e altares, vestes e paramentos, símbolos e imagens, vasos e
perfumes, não passam de petrechos destinados a incentivar a produção de
ondas mentais, nesse ou naquele sentido, atraindo forças do mesmo tipo que
as arremessadas pelo operador dessa ou daquela cerimônia mágica ou religiosa
e pelas assembléias que os acompanham, visando a certos fins." 1
Com o auxílio de objetos exteriores, muitos Espíritos, ainda mergulhados em
crenças supersticiosas, conseguem exteriorizar e canalizar seus pensamentos
("recursos da mente ou ondas mentais") mais facilmente, na tentativa de
estabelecer a desejada sintonia com o Criador ou os Espíritos Superiores que
Lhe executam os desígnios (nas orações proferidas pelos que procuram a Deus,
sabemos que vêm em nosso amparo os seres que já se constituíram em
emissários do amor divino).
A crença com que fiéis de determinadas religiões se apegam a esses
apetrechos, acreditando que neles se encontra um meio de conectarem-se a
Deus ou aos seres de grandiosa elevação moral com quem pretendem
comunicar-se, pode levar à mobilização de ondas mentais que se conjugam com
aquelas emitidas pelo condutor de uma reunião ou cerimônia religiosa (no
caso de haver a figura deste "coordenador" de esforços mentais), e que
sincronizam com a presença e a vibração dos mentores que amparam essas
reuniões.
Como bem acentua o Espírito André Luiz, essas ondas podem ser de tipo
enobrecido ou envilecido, atiradas então para o bem ou para o mal. Pode-se,
portanto, operar também a sintonia com planos inferiores, se tais objetos
motivarem a emissão de ondas mentais negativas, enfermiças ou de baixo
padrão vibratório, normalmente em assembléias organizadas por líderes que
esposam idéias e ambições contrárias à paz e ao amor (e que atuam sob a
influência de entidades infelizes cujo saber ainda é empregado integralmente
na prática do mal).
O Espiritismo não possui fórmulas, ritos, dogmas, símbolos, emblemas ou
talismãs, que ainda são conseqüências do primarismo espiritual que
caracteriza boa parte dos Espíritos reencarnados na Terra. Ensina-nos também
que a nossa ligação, na condição de encarnados, com as esferas espirituais é
permanente, e depende fundamentalmente do estado interior ou clima psíquico
com que nos apresentamos a cada instante (estamos sintonizados, onde quer
que estejamos, com os seres cujos pensamentos, idéias, emoções, aspirações e
desejos se afinam com os nossos, nas diversas dimensões que compõem o
universo). Ao invés de buscar o elo com o Criador ou com as Forças
Espirituais Superiores que a Ele servem, apenas durante uma cerimônia
religiosa, o Espiritismo nos adverte sobre a necessidade de procurar esse
vínculo de forma ininterrupta, através de uma conduta mental cada vez mais
ajustada com os princípios nobres e superiores da vida. O meio para atingir
tal objetivo é internalizar, de forma crescente, aspirações, idéias,
pensamentos e sentimentos alinhados com o Bem Supremo e que expressem a
vivência dos ensinamentos de luz e amor do Evangelho. Ao falar sobre a
oração, no mesmo capítulo de "Os Mecanismos da Mediunidade", André Luiz
explica:
"Observamos, em todos os momentos da alma, seja no repouso ou na atividade,
o reflexo condicionado (ou ação independente da vontade que se segue,
imediatamente, a uma excitação externa) na base das operações da mente,
objetivando esse ou aquele gênero de serviço."2
É neste ponto que entra a reflexão que todo espírita sincero deve fazer a
respeito do padrão vibratório e do tipo de pensamento que sustentamos na
maior parte do tempo, e a indisciplina que ainda vige nas ondas mentais que
emitimos. Como vai o esforço de cada um de nós, privilegiados pelo
conhecimento das Leis que regem a vida nas esferas invisíveis ao olhar
físico, no sentido de manter o pensamento elevado e colocar-se em comunhão
incessante com as Forças do Bem? Se já nos conscientizamos de que não
precisamos de objeto algum para promover essa integração mental com o Alto,
o quanto estamos nos dedicando para criar essa ligação? Como está o nosso
empenho no que se refere ao controle do que sai da própria mente, buscando
esvaziá-la de conteúdos daninhos e preenchê-la de material mais elevado e
sublime?
Muitas vezes, pegamo-nos gastando tempo precioso com a simulação mental de
diálogos conflituosos com outras pessoas, ou com idéias negativas e de
pessimismo. Ou nos isolando em pensamentos de revolta diante do que não
conseguimos obter – e que talvez nos fosse fazer mais mal do que bem – no
lugar de cultivarmos gratidão pelas inúmeras bênçãos e possibilidades com
que somos agraciados pelo Criador todos os dias, mas que passam muitas vezes
despercebidas. Ou fazendo crescer a mágoa ou o ódio pelos que nos agridem,
ao invés de utilizarmos o poder do pensamento para refletir sobre a
realidade evolutiva e impermanente dos que nos cercam, exercitando o
raciocínio sobre por que tolerar e compreender os que tentam nos prejudicar.
Se tal reflexão mencionada acima for feita, constataremos, sem dificuldades,
que não empregamos nem 10% do tempo que poderíamos utilizar na projeção de
pensamentos de luz sobre nós mesmos e os que estão à nossa volta, ou na
ligação com nossos mentores, pedindo forças e inspiração para transpor
dificuldades e superar as imperfeições das quais devemos nos despojar.
Não se pode negar o fato de que, para o nosso atual estádio evolutivo, é
ainda demasiadamente difícil manter um padrão vibratório elevado a todo
instante, principalmente quando premidos por circunstâncias que ainda têm o
potencial de nos fazer esquecer rapidamente os ensinamentos de luz e amor do
Cristo. A agitação do dia-a-dia, a busca de objetivos efêmeros, a correria
para atender aos inúmeros compromissos que assumimos, desarmonias no
ambiente do lar e do trabalho, e as distrações com que o mundo nos seduz
(basta notar a facilidade com que muitos se perdem por horas diante da
programação das emissoras de televisão), dentre outros fatores,
freqüentemente impõem grandes empecilhos ao exercício do pensamento que
exprime a ligação mental de ordem superior, de forma natural e ininterrupta.
Também a fixação mental na área dos impulsos e dos instintos é grande
barreira ao treinamento da mente, pois nos encarcera dentro do círculo das
paixões inferiores, maior componente do nosso passado espiritual e das quais
devemos paulatinamente nos desvencilhar. Com isso, fechamo-nos para o
recebimento das orientações que mentores espirituais procuram nos
transmitir, colocando-nos em posição de completa falta de alinhamento com a
vibração das entidades nobres e o pensamento iluminado que estas procuram
fazer fluir sobre nós.
A saída, como recomendado também para o desenvolvimento de outras virtudes
ou qualidades da alma, está no treinamento constante, por intermédio do
esforço ininterrupto para manter uma atitude íntima de oração que nos
vincule a nossos mentores e demais representantes da Vida Maior. Uma das
propostas do processo de evolução, no qual nos encontramos, é a de
convergirmos cada vez mais idéias e emoções com a luz dos planos superiores
do espírito, tornando natural e incessante o contato com aqueles que, do
"outro lado da vida", tentam orientar-nos e sustentar-nos a caminhada. O
roteiro para atingirmos gradualmente esse estado é o da elevação de
propósitos e renovação interior, lutando contra o potencial perturbador do
torvelinho das pressões diárias. Criar a disciplina desejada da mente,
eliminando comportamentos infelizes também na área dos pensamentos, exige
mudança significativa e treino paciente da parte de quem o pretenda, e está
intrinsecamente relacionado com o agir enobrecido. O Espírito André Luiz,
ainda em "Os Mecanismos da Mediunidade", esclarece sobre a necessidade
de consagrarmo-nos ao bem, sustentando atitudes dignas e compatíveis com uma
postura mental mais elevada, a fim de usufruirmos dos benefícios salutares
da interação com mentores e demais mensageiros do Cristo:
"Dai resulta o impositivo da vigilância sobre a nossa própria orientação, de
vez que somente a conduta reta sustenta o reto pensamento e, de posse do
reto pensamento, a oração, qualquer que seja o nosso grau de cultura
intelectual, é o mais elevado toque de indução para que nos coloquemos, para
logo, em regime de comunhão com as Esferas Superiores.
De essência divina, a prece será sempre o reflexo positivamente sublime do
Espírito, em qualquer posição, por obrigá-lo a despedir de si mesmo os
elementos mais puros de que possa dispor.
No reconhecimento ou na petição, na diligência ou no êxtase, na alegria ou
na dor, na tranqüilidade ou na aflição, ei-la exteriorizando a consciência
que a formula, em efusões indescritíveis, sobre as quais as ondulações do
Céu corrigem o magnetismo torturado da criatura, insulada no sofrimento
educativo da Terra, recompondo-lhe as faculdades profundas".3
Em outra obra de André Luiz, "No Mundo Maior", o instrutor espiritual
Calderaro assim se expressa sobre a relação entre conduta mental e evolução
espiritual: "Para que se efetue a jornada iluminativa do espírito, é
indispensável deslocar a mente, revolver idéias, renovar as concepções e
modificar, invariavelmente, para o bem maior o modo íntimo de ser..." 4
O apóstolo Paulo transmitiu ensinamento semelhante, ao nos deixar a famosa
orientação contida na Carta aos Romanos, capítulo 12, versículo 2: "E não
vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa
mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade
de Deus." 5
Nossa trajetória, como os Luminares da Espiritualidade revelaram a Kardec,
na Codificação, é sempre de progresso, melhoria e ascensão. Época virá em
que a disciplina do pensamento e a comunhão perene com os planos superiores,
serão tão importantes para a mente encarnada quanto o consumismo, a ânsia
pelo poder efêmero, a busca irracional de prazeres corrosivos, ou a paranóia
da estética o são nos dias atuais. E essa ligação será realizada com o uso
do recurso mais poderoso (e o único do qual necessitamos) para tanto, que é
o pensamento bem-direcionado de todos os que procurarem instituir o "Reino
dos Céus" em si mesmos. Nesse futuro – que fatalmente chegará para todos – o
amor terá penetrado integralmente nossas mentes e nosso modo de ser (o
pensar, o sentir e o agir). E cada homem ou mulher irá passar por essa
transformação ao seu tempo e à sua maneira, como conseqüência do despertar
inevitável para a realidade transcendental da vida e de si mesmo.
Bibliografia Consultada
(1) Luiz, André (Espírito). Mecanismos da Mediunidade / psicografado por
Francisco Candido Xavier e Waldo Vieira, 25ª edição, FEB (2006), pág.
193 e 194
(2) Idem, pág. 195
(3) Idem, pág. 195
(4) Luiz, André (Espírito). No Mundo Maior / psicografado por Francisco
Candido Xavier, 24ª edição, FEB (2005), pág. 259
(5) Paulo. Carta aos Romanos, 12:2.
São Paulo, outubro de 2008
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