Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1.
Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico: 3.1. Justiça; 3.2. Amor; 3.3.
Caridade. 4. A Justiça e as Virtudes: 4.1. Justiça Normativa e Justiça
Descritiva; 4.2. Virtudes Cardeais e Virtudes Teologais; 4.3. A Base da Justiça
Funda-se na Lei Natural. 5. Amor e Caridade. 6. Relação entre Justiça, Amor e
Caridade. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O
objetivo deste estudo é analisar o inter-relacionamento entre a justiça, o
amor e a caridade. Para tanto, iremos definir cada um dos termos, colocá-los
dentro de um contexto histórico, elaborar alguns pensamentos sobre as virtudes
cardeais e teologais para, por fim, mostrar como é importante a junção desses
três termos.
2. CONCEITO
Justiça – É a constante e perpétua
vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade.
É virtude subjetiva, portanto.
Amor –
É uma força tendente a aproximar e a unir, numa relação particular, dois ou
mais seres.
Caridade
– No vocabulário cristão, o amor que move a vontade à busca efetiva do bem
de outrem e procura identificar-se com o amor de Deus.
3. HISTÓRICO
3.1.
JUSTIÇA
Na
história do pensamento filosófico o conceito de justiça apresenta uma
interessante evolução. Prescindindo da noção bíblico-teológica de justiça,
é mister ascender até a Grécia se quisermos seguir a sobredita evolução na
cultura ocidental.
a) a
palavra dikaiosyne, que nos escritores
da idade clássica traduz o conceito de justiça, não aparece nem em Homero,
nem em Hesíodo. Neles o conceito mais afim de justiça é expresso por dois vocábulos:
Dike e Themis.
O 1.º significa "decisão judicial", o 2.º o "bom
conselho", que inspira a decisão prudente. A partir do séc. VI a. C.,
começa a divulgar-se a palavra dikaiosyne,
mas não tem o sentido jurídico que hoje damos ao termo justiça. Dikaiosyne
significava propriamente um "princípio universal de ordem e harmonia"
entre o fato e a norma que lhe diz respeito. Este aspecto geral atinge a sua
expressão máxima no sistema platônico. Essa noção geral manteve-se firme
durante muitos séculos, embora se fosse paralelamente outro aspecto mais
restrito.
b)
Este segundo aspecto começa a ser sistematizado a partir de Aristóteles,
utilizando, aliás, elementos já existentes em germe na filosofia pré-socrática
e, designadamente pitagórica. Consiste em sublinhar a índole social da justiça
frisando que ela é primariamente correspondência entre dois termos
contrapostos precisando estabelecer igualdade no que reciprocamente lhes é
devido. Deste modo se passa de um princípio universal para uma virtude
particular.
c)
Estas duas concepções coexistiram lado a lado durante séculos e aparecem
ainda notadamente em Leibnitz. Mas o aspecto universal foi-se gradualmente
esquecido e hoje prevalece ordinariamente a noção de justiça em sentido
estrito ou jurídico.
A
partir do século XIX foi-se divulgando cada vez mais a expressão justiça
social, em relação contra os abusos do capitalismo liberal. (Enciclopédia
Luso-Brasileira de Cultura)
3.2.
AMOR
A história
da cultura ocidental apresenta duas raízes: a grega e a judeo-cristã ou bíblica.
A
concepção grega está assentada no Eros
platônico. Eros começa por ser pobre. Mas, sumamente engenhoso e ativo, ele
encontra sempre meio de transcender e de se transcender até atingir o mundo das
idéias, designadamente o belo, o verdadeiro e o bem. Ascende “gerando
beleza”. Ascende, deixando atrás de si – e abaixo de si – um mundo de
troféus e de despojos, de aspirações satisfeitas e de imperfeições
superadas, de aparências e de ilusões que foram dando progressivamente lugar a
realidades autênticas e a formas e idéias verdadeiras.
A concepção
grega baseia-se: 1) o mundo é eterno e não criado; 2) que o amar implica em
conhecer e o conhecer implica o amar.
A concepção
judeo-cristã não partirá nem do mundo nem do homem. Partirá de
Deus, Transcendência absoluta. Ele próprio relação amorosa, em si, por si e
para si, e que, sendo livre, também por
Amor cria para fora de si uma realidade – o Mundo. O amor humano, fundado
no amor divino, será pluridirecional e pluridimensional, será ativo e será
histórico, será concreto e terá na imitação do próprio Deus,
designadamente através de Cristo - imitatio
Christi - o seu grande motor.
Do
entrelaçamento das duas concepções – helênica e judeo-cristã – é feita
a história do amor no Ocidente até os nossos dias, pelos menos, até aos
chamados “tempos modernos”, com o predomínio ora de uma ora de outra
segundo as condições sócioculturais das épocas respectivas. (Polis -
Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado)
3.3.
CARIDADE
As
obras de misericórdia são comuns a todos os povos e a todas as religiões. Os
princípios da lei natural impressos no coração do homem manifestam-se mesmo
entre algumas tribos selvagens, onde encontram rasgos duma caridade mais ou
menos perfeita. Em todos os povos mongólicos é castigada a falta de proteção
aos estrangeiros e uma lei regula a beneficência. Os habitantes do norte da África,
principalmente em Marrocos, têm o socorro mútuo como principal regulador da
vida social, merecendo especial atenção os necessitados: quando uma família
mata um boi, o fato torna-se logo público afim de que os pobres e os doentes da
localidade acudam em busca de carne.
A
caridade entre os judeus foi a verdadeira piedade a favor dos pobres e a obediência
a Deus. Os ricos eram apenas administradores dos seus bens, visto que Deus era o
único proprietário. Para os maometanos, era uma obrigação mútua e limitada
entre os fiéis do Islã. O motivo da caridade cristã é o amor da alma a
Jesus, Salvador do homem. O pobre é um irmão ante Cristo, e a Humanidade, por
ele reunida, constitui uma grande família em que o cristãos consideram o resto
dos homens, como uma irmandade. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)
4. A JUSTIÇA E AS VIRTUDES
4.1. JUSTIÇA NORMATIVA E JUSTIÇA DESCRITIVA
A justiça é um
fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o
bem-estar. A diferença é que a justiça é normativa enquanto os outros são
descritivos. O que isto significa? Significa dizer que podemos medir a igualdade
através de comparações de rendimento, a liberdade em termos de liberdade de
expressão, o bem-estar através do nível de consumo etc. A justiça, de seu
lado, implica num juízo de valor. Nesse sentido, o senso de injustiça nada
mais é do que o sentimento de que algo está errado, não meramente com referência
à nossa condição pessoal, mas com o mundo em geral.
Há possibilidade
de definirmos a justiça em termos descritivos? Não, pois implica uma contradição,
ou seja, se “justo” tiver o mesmo significado de “igual”, isto implica uma norma igualitária. Logicamente seria por isso
incoerente para qualquer um considerar injustas tanto as normas igualitárias
como as normas não-igualitárias. Evidentemente que estas definições não são
aceitáveis. Evidentemente que não podemos ir do “ser” para o “dever
ser” e dos fatos para os valores. Contudo, quando a expressamos em termos
igualitários, não a estamos definindo, mas comunicando um juízo normativo,
sob a capa verbal de definições, tendo como finalidade geral uma eficácia retórica.
(BOBBIO, 1986)
4.2. VIRTUDES CARDEAIS E VIRTUDES TEOLOGAIS
As Virtudes
— potências racionais que inclinam o homem para o bem, quer como indivíduo,
quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente, podem ser divididas
em:
a)
Virtudes Cardeais
A virtude
moral predispõe o indivíduo à prática do bem. Há duas ordens de
moralidade, a natural e a infusa. Por isso, temos duas espécies de virtudes:
adquiridas e infusas. Entre as virtudes
adquiridas, distinguem-se principalmente quatro: prudência,
justiça, fortaleza e temperança.
Cognominadas de cardeais (de cardo,
gonzo), por ser em redor delas que giram todas as outras, tais como a paciência,
a tolerância, a brandura etc. Dentre todas elas a Justiça ocupa lugar de
destaque, pois todas as outras giram primariamente sobre esta. (Santos, 1965)
b) Virtudes Teologais
Entre
as virtudes infusas estão a fé,
a esperança e a caridade,
cognominadas de teologais, porque não
são o produto de uma prática, mas um dom infuso de Deus nos seus filhos.
(Santos, 1965)
4.3. A BASE DA JUSTIÇA FUNDA-SE NA LEI
NATURAL
O
sentimento de justiça é natural ou resulta de idéias adquiridas? É tão
natural que nos revoltamos ante uma injustiça. 0 progresso moral desenvolve a
justiça, mas não a cria. Por isso, muitas vezes, entre os homens simples e
primitivos encontramos noções mais exatas de justiça do que entre os de muito
saber.
No que
consiste a justiça? A Justiça consiste no respeito aos direitos de cada um.
Esses direitos são determinados pela lei humana e pela lei natural. Como os
homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis
estabeleceram direitos que podem variar com o progresso.
Fora
do direito consagrado pela lei humana, qual a base da justiça fundada sobre a
lei natural? O critério da verdadeira justiça é de fato o de se querer para
os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer para si o que se
deseja para os outros. Como não é natural que se queira o próprio mal, se
tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de
jamais desejar para o próximo senão o bem. Desde todos os tempos e em todas as
crenças o homem procurou sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O
sublime da religião cristã foi tomar o direito pessoal por base do direito do
próximo. (Kardec, 1995, perguntas 873 a 876)
5. AMOR E CARIDADE
A palavra amor é polissêmica e presta-se a muitos
significados; do mesmo modo a caridade, pode ser identificada com a assistência
social ou a esmola. No âmbito da Doutrina Espírita, convém nos atermos ao seu
significado puramente espiritual, ou seja, aquele emprestado por Allan Kardec.
É nesse sentido que podemos definir o amor como "a
totalidade dos sentimentos e desejos que estruturam o pensamento para a liberação
de energia e de forças que guiam a ação na produção do bem e possibilitam a
aquisição de qualidades, constituintes do crescimento do Espírito".
(Curti, 1981, p.81)
O amor
deve ser visto como uma energia radiante expressa pelo nosso pensamento,
alicerçado na vontade e no discernimento.
A
caridade, de seu lado, é definida pelo Espírito Emmanuel como “o coração
no teu gesto”. É preciso ampliar este conceito, modificando nossas atitudes
para com tudo aquilo que nos cerca. Assim, devemos ter piedade para aquele que
desespera; benevolência, para aquele que erra; tolerância, para quem não nos
entende etc.
6. RELAÇÃO ENTRE JUSTIÇA, AMOR E CARIDADE
Temos
notícias de que habitualmente a justiça é representada com os olhos vendados
e com uma balança na mão. Essa imagem significa que a justiça não faz
discriminação de pessoas nem tem preferências afetivas, que ela é muito mais
racional e, portanto, fria. Ao contrário do amor, que se estabelece em uma
dimensão essencialmente pessoal e de preferência afetiva. No entanto,
isoladamente, a justiça corre risco de esquecer muitos aspectos pessoais e
muitas considerações que só o amor é capaz de descobrir. Allan Kardec diz
que "o amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, porque amar
ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível, que desejaríamos que nos fosse
feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus: "Amai-vos uns aos outros,
como irmãos"". (Kardec, 1995, pergunta 886)
Vejamos
algumas das diversas relações entre Justiça e caridade.
1) A
caridade, ou amor ao próximo, já prefigurada na doutrina dos estóicos, mas
erguida pelo cristianismo ao seu máximo valor, é uma virtude que, com a justiça,
regula o procedimento moral do homem para com os outros seres e, especialmente,
para com os outros homens.
2) A
justiça, a que correspondem os deveres estritos é a obrigação social e diz
respeito à ação, ao passo que a caridade, a que correspondem os deveres
largos, é a obediência à obrigação individual e só tem em conta a intenção.
3) A
justiça é obrigatória e exigível; a caridade, porém, se é obrigatória em
relação a quem a dá, não é exigível em relação a quem recebe.
4) A
justiça é estrita e tem como regra o respeito da lei; a caridade não conhece
nem limite nem regra e ultrapassa as obrigações estritas da lei.
5) A
caridade supõe a justiça e completa-a; antes de exercer a caridade é necessário
saber respeitar a liberdade e os direitos alheios.
6) Sem
a caridade, a justiça seria demasiado rígida e até iníqua: onde a justiça
fica inativa – perante a miséria, por exemplo – a caridade julga-se
imperiosamente obrigada a intervir.
7) A
caridade briga muitas vezes com a justiça: a caridade para com umas pessoas
gera, amiúde, a injustiça para com outras, como no caso do chefe de família
que, por filantropia, dissipa em dádivas a herança dos filhos. (Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)
8. CONCLUSÃO
O
senso de injustiça mostra que algo
está errado, não meramente conosco, mas com o mundo em geral. Ele mostra o
descontentamento entre o ideal imaginado e a situação observada. É nesse
momento que entra o sentimento de justiça, que deve ser contrabalançado pelo
amor e a caridade, no sentido de atingir o bem comum.
9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BOBBIO,
N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário
de Política. 2. ed., Brasília, UNB, 1986.
CURTI, R. Espiritismo e Reforma Íntima.
3. ed., São Paulo, FEESP, 1981.
Enciclopédia
Luso-Brasileira de Cultura.
Lisboa, Verbo, s. d. p.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8.
ed., São Paulo, FEESP, 1995.
Polis - Enciclopédia Verbo
da Sociedade e do Estado.
Lisboa/São Paulo, Verbo, 1986.
SANTOS, M. F. dos. Dicionário de
Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.
São Paulo, janeiro de 2001
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